QUANTOS JÁ PASSARAM POR AQUI

contador de visitantes

sábado, 23 de março de 2013

O CAMINHO DA CRUZ (I Parte)

Pedro Augusto de Queiroz Ferreira / UERN 1


            Um homem galileu comum, um jumentinho, dezenas de outras pessoas que gritam com ramos nas mãos e panos no chão passeiam pela porta de Jerusalém. O galileu consciente de que está cumprindo a vontade do Pai, a multidão consciente de que o messias esperado chegou e que desta vez irá detonar o império romano para sempre. O que eles não sabiam era interpretar as Escrituras. Zacarias já afirmava isso antes e o povo não o compreendeu:


Dance de alegria, cidade de Sião; grite de alegria, cidade de Jerusalém, pois agora o seu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta. (Zc 9, 9).


            O povo acreditava em um Messias que arrebentasse as bases do império de césar, porém o que eles receberam foi um messias que em humildade se aproximou deles como um rei que procura sempre estar perto do seu povo. E os fariseus, vendo aquilo, acharam que pela ordem que vigorava, Jesus havia chegado com todas as forças para provocar uma rebelião, já que Jesus sempre desaparecia quando o povo o chamava de Rei no meio da multidão ou quando realizava milagres em público.
            Por acharem que por Jesus estar apoiando e aceitando que o aclamassem Rei, estivesse ele talvez planejando a armadilha suprema contra o templo ou contra a festa da Páscoa, interferiram ele: “No meio da multidão, alguns fariseus disseram a Jesus: "Mestre, manda que teus discípulos se calem. (Lc 19, 39)” e Jesus lhes responde uma frase enigmática, que tem mais sentido hoje do que naquele tempo: “Eu digo a vocês: se eles se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19, 40).
            Os fariseus devem ter imaginado tudo, menos que Deus pudesse se manifestar contra a lei seca e ao mesmo tempo mal praticada deles de tal forma que até mesmo pelas pedras pudesse glorificar o Seu filho amado. O que o povo estava fazendo poderia ser mesmo em um sentimento de renovação política, porém o que os fariseus não sabiam era que desta vez Jesus estava confiante na vontade do Pai em que o povo o aclamasse Rei, embora em dentro de cinco penosos dias terminasse onde terminou.
            Jesus era um profeta que não lidava diretamente com a política, e sim com as atitudes, não destruía a lei, mas mostrava os erros de quem a mal praticava. Os fariseus ao ouvirem a resposta de Jesus (Lc 19, 40) nem imaginavam que se realmente o povo se calasse, as pedras poderiam gritar. Fica um recado para a nossa realidade de hoje, em que muitos louvam e muitos ficam apenas vendo a fé alheia e não têm coragem de se juntar à nossa fé. Às vezes, as pedras são os que ficam atrás de nós para nos substituir quando cansamos, ou seja, se nós nos calarmos por falta de fé e por falta de estímulo, Deus colocará sempre outros para louvá-lo e para direcionar o seu coração a Ele.
            Os fariseus são os que tentam nos calar, e é claro que isso é muito comum nos nossos dias, já parou para pensar no quanto os nossos próprios irmãos nos levam a muitas vezes buscar caminhos errados  e a procurar tudo, menos o que realmente precisamos procurar, o caminho de Deus? O povo gritando e louvando são muitos dos nossos irmãos, que mesmo sem ter muita noção de religião, têm sempre um forte caráter de política e de atualidades que é uma beleza. Sabem que estão na Santa Missa para comemorar algo ou alguém e sabem que esse alguém tem todo o poder para mudar suas vidas, porém são vazios de conteúdo porque não sabem que o alguém que eles estão comemorando não vem a acudir todas as mazelas que ficaram dos tempos dos erros do Cristianismo ou os que se acham justos de receber a graça, porém aos cujos corações se acharem dignos de serem atendidos:
             
Nem todo aquele que me diz 'Senhor, Senhor', entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu. Naquele dia muitos me dirão: “Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos tantos milagres?” Então, eu vou declarar a eles: “Jamais conheci vocês. Afastem-se de mim, malfeitores!” “Portanto, quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como o homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha.” (Mt 7, 21-24).

           
            Portanto, prestai atenção, nem todo aquele que o chamar com a boca de Senhor e sim quem o chamar com o coração é que merecerá a honra de repetir o gesto da plateia da entrada triunfal original em Jerusalém. Naquele tempo, a festa da antiga Páscoa estava sendo preparada. Com a entrada de Jesus em Jerusalém, a Páscoa ganha outro sentido totalmente novo, mas isso é assunto para o Domingo da Ressurreição. Por ocasião de seu advento na cidade santa, os judeus que viajavam mais cedo eram sempre curiosos de saber se sua presença seria mesmo confirmada. Ao entrar em Jerusalém, aí é que o paradoxo maior de sua história começa a se desenrolar.
            Seus amigos mais próximos começam a revelar seu lado mais esquivo, os fariseus começam como nunca a persegui-lo, e o mais irônico de tudo, cinco dias depois de ser aclamado rei, a multidão viu se cumprir o que dizia Jesus tempos antes:


Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, o Filho do Homem que está no céu. Como Moisés levantou a serpente no deserto. para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna. Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. (Jo 3, 13-16).


            Nem os discípulos, nem os fariseus, nem mesmo os judeus entenderam de primeira esta mensagem, porém hoje nós entendemos que por meio da serpente de bronze, enroscada na união entre a trave e o patíbulo, chamada na época dos romanos de Cruz (que para nós hoje é o símbolo de seguir ao Mestre), é que ele deveria ser elevado a vista de todos. Qual não foi a surpresa dos discípulos e a angústia de Nossa Senhora ao descobrirem o que realmente o aguardava depois da Santa Ceia. O Domingo de Ramos nos permite começar uma semana de lembrança, que além do sofrimento, nos lembra que principalmente é preciso assumir depois da entrada triunfal uma preparação radical para morrer ao mundo e ressuscitar para o Pai.
            A tradição dos ramos (e mesmo da semana santa) veio surgindo ao longo das eras de modo que foi-se incorporando ao nosso calendário. Época de reflexão e de cânticos que refletem essa data, como “Louvor a Vós, Ó Cristo Rei” 1, “Recebe este Canto do Chão” 2 ou “Hosana Hey” 3, que já é a tradicional nas missas deste dia. A manifestação de cunho político para uns, de objetivo Divino para pouquíssimos e de objetivo reacionário do ponto de vista da maioria. O que decerto não poderia dar muito certo, mas era vontade de Deus. Refletimos hoje o real significado e deixamos a pergunta: O que você enxerga no ato do Domingo de Ramos hoje?


REFERÊNCIAS:

1 Bacharelando do 6° Período de Ciências Sociais da UERN.

2 Letra extraída do Lecionário Dominical*. Música de Eurivaldo S. Ferreira. Louvor a Vós, ó Cristo Rei. In: Liturgia XIV. São Paulo, Paulus, 2004. (CD).

3 Letra de Geraldo Leite. Música de Pe. Reginaldo Veloso. Recebe este Canto do Chão. In: Idem.

4 Letra e Música de Roberto Malvezzi. Hosana Hey. In: Hosana Hey. São Paulo, Panorâmico, 1978. (LP).

* CNBB (org). Lecionário I: Dominical. São Paulo: Paulus, 1993. 

quinta-feira, 21 de março de 2013

QUARESMA E SEMANA SANTA, TEMPO FORTE DE PERDÃO


Fonte Original: INSTITUTO RELIGIOSO NOVA JERUSALÉM
http://irnovajerusalem.com.br/movimento-biblico/formacoes/quaresma-e-semana-santa-tempo-forte-de-perdao/



A palavra QUARESMA nos vem da língua latina “quadragesima dies” e expressa o número ordinal 40 (ou quadragésimo). Em outras palavras se refere ao número de quarenta dias. Na Regra de São Bento (cap. 49) verificamos a aparição do uso dessa palavra já entre os séculos V-VI da nossa era para indicar o que entendemos hoje, onde os monges beneditinos dedicavam quarenta dias em preparação para a grande festa da páscoa, que marca o ápice de nossa fé cristã. Nesse período, os monges intensificavam as práticas que constituem os pilares da fé judaica-cristã, que basicamente são aoração, o jejum e a caridade (este último também traduzido por “esmola”). Os monges eram ensinados a fazer de sua vida uma eterna Quaresma (cf. RB 49,1), mas como a força física não permitia a todos os monges fazê-la, todos eram convocados a guardarem sua vida nesses santos dias de forma mais intensa e radical, onde as faltas de outros tempos também deveriam ser apagadas.
                A Regra ainda nos orienta à vigilância, à preservação de todos os vícios, à entrega, à oração com lágrimas, à leitura (da Palavra, em especial dos Salmos e textos dos santos), à compulsão do coração e à abstinência. Essas palavras podem nos parecer pesadas nos dias de hoje, porém, para os monges e cristãos piedosos, sempre será uma necessidade de amor educar a vontade para agradar a Deus e tornar-se uma pessoa melhor. O Evangelho nos exige flexibilidade e docilidade à ação de Deus. A piedade cristã nunca pode ser vista como melancólica ou masoquista, antes se trata de educação da vontade e da liberdade tendo em vista um bem maior.
                A Quaresma inicia-se em nossa Igreja na Quarta-feira de Cinzas e se estende até a noite da Quinta-feira Santa, não contando os domingos, pois o dia do Senhor sempre será um dia festivo e de grande júbilo, mesmo em tempos de penitência. Tempo forte de oração, penitência e conversão, porém, o Código de Direito Canônico (cf. Cân. 1249 e 1250) orienta também todas as sextas-feiras do ano para o jejum e práticas de penitência, para termos sempre em mente o dia em que o Senhor suspirou na cruz, salvo alguma festa ou solenidade coincida neste dia. Nenhum cristão católico está isento de fazer penitência, salvo por motivo de força maior (idade avançada, problemas de saúde, etc.). Verifiquemos agora o que nos diz o nosso Código:
Cân. 1249 — Todos os fiéis, cada qual a seu modo, por lei divina têm obrigação de fazer penitência; para que todos se unam entre si em alguma observância comum de penitência, prescrevem-se os dias de penitência em que os fiéis de modo especial se dediquem à oração, exercitem obras de piedade e de caridade, se abneguem a si mesmos, cumprindo mais fielmente as próprias obrigações e sobretudo observando o jejum e a abstinência, segundo as normas dos cânones seguintes.
Cân. 1250 — Os dias e tempos de penitência na Igreja universal são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma.
A paixão de Jesus é sempre lembrada não apenas na semana santa, mas na récita do terço mariano, de uma forma especial pelo Terço da Misericórdia, muito difundido no mundo e que às três horas da tarde é sempre alvo de preces e súplicas do nosso povo, fora as demais práticas de piedade como a Via Sacra e devoções que levam a contemplação desse insondável mistério.
É importante frisarmos o quanto o número 40 é de grande significação na Sagrada Escritura, pois representa os quarenta dias e quarenta noites do dilúvio (cf. Gn 7,4), tendo em vista o “arrependimento” de Deus em ter criado o homem (cf. Gn 6,6), arrependimento este que mais parece um aplacamento de sua cólera e retirada de sua ameaça. Os quarenta anos da estadia do povo de Deus no Deserto em busca da terra prometida (cf. Dt 1,3; 8,2), também os quarenta dias que Moisés passou no Monte Sinai para receber a Lei do Senhor (cf. Ex 24,18), os quarenta dias de caminhada do Profeta Elias ao Monte Horeb (cf. 1Rs 19,8) com o intuito de salvaguardar a Aliança e preservar a pureza da  fé. No livro dos Juízes, aparece um período de 40 anos de paz em que passou Israel (cf. Jz 3,11). Quarenta anos durou o reinado dos três primeiros reis de Israel: Saul (At 13,21), Davi (2Sm 5,4s) e Salomão (1Rs 11,41). Tendo por base estas informações, percebemos que o número 40 não está se referindo necessariamente a uma conotação cronológica, mas teológica, que mais parece representar uma geração.
A prática monástica ocidental na observância da Quaresma é adotada mais tarde por toda Igreja para consagrar e lembrar o período em que Jesus passou no deserto antes de iniciar seu ministério público (cf. Lc 4,1-13). Gostaria de a partir desse texto fazer nossa reflexão, extraindo alguns elementos fundamentais.
DESERTO: lugar de provação, tentação. Na mitologia, era o lugar onde habitavam os demônios, conhecidos por sátiros (metade homem, metade animal). Mas também, como vimos, o deserto tornou-se lugar de intimidade e relacionamento com Deus, lugar onde se adquire maturidade espiritual, levando o povo a pensar e agir como povo de Deus;
ESPÍRITO SANTO: aparece como guia de Jesus e dos cristãos na caminhada de fé, o condutor de nossas palavras e ações. Sabemos que há um interesse muito forte em Lucas pelo Espírito de Deus, tanto nesse terceiro evangelho como nos Atos. Aqui em Lc 4,1, vemos mais uma passividade de Cristo, cheio desse Espírito, ele se deixa conduzir. Mesmo na tentação, não estamos sozinhos, Deus sempre nos fortalecerá com essa graça.
DIABO: do grego, “diabolos” = significa “aquele que tenta” (tentador), no hebraico “satã” = “adversário”: é a causa primária de todo pecado e morte, mas como seu nome sugere sua função, quer dizer, que o mal não é responsável pelos nossos pecados, pois este apenas tenta (induz), mas não pode pecar por nós: “Ninguém, ao ser provado, deve dizer: ‘é Deus que me prova’, pois Deus não pode ser provado pelo mal e a ninguém prova (tenta). Antes, cada qual é provado pela própria concupiscência, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, atingindo o termo, gera a morte.” (cf. Tg 1,13-15). Tiago ainda aponta a resistência ao mal como saída para libertação (cf. Tg 4,7), como fez Jesus durante a tentação.
PÃO, PODER e IDOLATRIA (Lc 4,3.6.7): são as três propostas de Satanás a Jesus para tentá-lo durante sua quaresma. Essas três tentações acompanharam toda história de Israel e podemos dizer que foram geradores de grandes desequilíbrios na relação com o Divino, que por sua vez, Deus exigia exclusividade. O que Satanás estava propondo a Jesus, em outras palavras e verificando o “Shemá”, em hebraico, “ouve, escuta” (Dt 6 – 8) nada mais, nada menos que pecar contra o amor de Deus, retirar Deus do seu coração. Essa era a proposta soberba e falida do Tentador ante a humanidade de Cristo.
DETURPAÇÃO DA PALAVRA. Está claro que a principal arma de Satanás para tentar seduzir Cristo foi a própria palavra de Deus, extraída do Salmo 90(91),11s e forçosamente mal empregada: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito ‘Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito, para que te guardem.’ E ainda: ‘E eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra.” (Lc 4,9-11). Acabamos de ser catequizados involuntariamente pelo demônio! Ele acaba de ensinar-nos que conhecer a palavra não basta, é preciso ser fiel e praticá-la para que suas palavras não nos confundam. Jesus não faz diferente, se utiliza também da palavra, sobretudo Dt 8,3; 6,13.16.
ORAÇÃO. Segundo Santa Teresinha do Menino Jesus, “A oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu”, em outras palavras, é atividade divina. É falar com Deus, é às vezes pedir, mas antes deixar que Deus penetre em nós, é permanência nEle. Sem uma visão positiva de si é quase impossível se relacionar com a nossa Imagem e Semelhança.
JEJUM. Mais que simples fator externo de ausência de alimentos, é conformação com a vontade e palavra de Deus, é obediência à sua voz que diz: “Não coma deste fruto”, em resposta ao pecado original.
CARIDADE. É o amor cristão, marcado pela incondicionalidade, pela doação de si. A caridade é hoje mal interpretada por dar esmola ou fazer algum gesto de ajuda aos outros. Mais que isso, é a força interior que nos predispõe a entregar a própria vida, a agir conforme o Espírito de Deus. No livro de 1Cor capítulo 13 traz um grande e belo hino à caridade, personificado na pessoa de Jesus. Seria interessante seu conhecimento para se aplicar à própria vida cristã, pois o amor nos caracteriza como discípulos do Senhor.
                Que o amor por Deus e sua Palavra favoreça-nos flexibilidade e docilidade à ação do Espírito Santo e que estes tempos santos da Quaresma e Semana santa nos associem cada vez mais a Nosso Senhor Jesus, tornando-nos instrumentos esclarecidos de seu Evangelho. Que a esperança na ressurreição nos fortaleça e encoraje em todos os momentos da vida.

IRMÃO NACÉLIO LIMA, NJ


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Bíblia de Jerusalém. Paulus: 2004
A REGRA DE SÃO BENTO. Edições Subiaco – Mosteiro da Santa Cruz, Juiz de Fora: 2008.
CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Ed. Loyola